Rui

100 anos depois…

Jornal do Brasil

A ausência de Rui Barbosa (12 de fevereiro de 2003)

Em 2003, o Brasil registra o 80º aniversário de falecimento de Rui Barbosa. Advogado, jornalista, jurista, político, diplomata, ensaísta e orador, o senador Rui Barbosa nasceu em Salvador, em 5 de novembro de 1849, e faleceu em Petrópolis, em 1º de março de 1923. Sua memória continua viva na história brasileira, se tornando uma lenda nos vários campos em que atuou, cobrindo quase metade do século 19 e parte do século 20.

Rui Barbosa fez os estudos preparatórios em sua província natal, seguindo para Recife logo após para cursar Direito. E, conforme tradição da época, transferiu-se, em 1868, para a Faculdade de Direito de São Paulo. Formando-se em 1870, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde despontou para a tribuna e abraçou como uma de suas causas mais vibrantes a Abolição da Escravatura. Convidado para ministro do Gabinete Afonso Celso, pouco antes da proclamação da República, Rui Barbosa recusou o cargo, por considerá-lo incompatível com suas ideias federativas. Rui sempre foi fiel ao seu ideário, o que, de resto, lhe garante um lugar de destaque na história das ideias políticas do país.

Proclamada a República, Rui foi escolhido para ministro da Fazenda do Governo Provisório, e respondeu, durante algum tempo, pela pasta da Justiça. Eleito senador pela Bahia à Assembleia Constituinte, seus conselhos prevaleceram nas reformas principais e a sua cultura modelou as linhas fundamentais da Carta de 24 de fevereiro de 1891. Como redator-chefe do Jornal do Brasil, abriu campanha contra a situação florianista. Em 1893, foi obrigado a se exilar. De Londres, escreveu, então, as famosas Cartas da Inglaterra, para o Jornal do Commercio.

Restaurada a ordem no Brasil, em 1895, Rui Barbosa regressou do exílio. Assumiu seu mandato senatorial, onde se conservaria até a morte, sucessivamente reeleito. Destacam-se os seus trabalhos na redação do Código Civil. Epitácio Pessoa, então ministro da Justiça, entregara essa tarefa a um jovem jurista cearense, Clóvis Beviláqua. Depois de revisto por várias comissões, foi o projeto ao Senado, em 3 de abril de 1902, e Rui Barbosa escreveu, em poucos dias, o seu “Parecer”, que o levaria a uma polêmica, durante a qual a sua Réplica se tornaria famosa.

Em 1907, o czar da Rússia convocou a 2ª Conferência da Paz, em Haia. Rui Barbosa teve nessa reunião internacional papel de suma importância. Lutou sobretudo pelo princípio da igualdade jurídica das nações soberanas, enfrentando irredutíveis preconceitos das chamadas grandes potências. De volta ao Brasil, interveio no início da sucessão presidencial. Apresentada a candidatura do marechal Hermes da Fonseca, a ela se opôs, lançando-se em sua campanha civilista, de grande repercussão em todo o país. Em 21 de junho de 1910, contestou perante o Senado a eleição do marechal.

Em 1913 fundou o Partido Liberal. No ano seguinte, combateu o estado de sítio, numa série de discursos no Senado. Durante a Primeira Guerra Mundial, tomou o partido dos Aliados e produziu discursos lapidares de execração à tirania e ao imperialismo.

Convidado pelo presidente Rodrigues Alves para representar o Brasil na Conferência da Paz de Versalhes, recusou a embaixada, expondo em famosa carta, dirigida ao chefe da nação, as razões da incompatibilidade. Em 1919, foi novamente levantada sua candidatura à presidência da República, e ele percorreu vários Estados, em campanha contra a decadência dos nossos costumes políticos. A vitória da campanha foi anulada pela intervenção militar. Por divergências, daí resultantes, com o governo Epitácio Pessoa, em 1920, recusou a representação do Brasil na Liga das Nações.

Dentro das comemorações do seu jubileu jurídico, como paraninfo dos bacharelandos de São Paulo, escreveu e proferiu a “Oração aos Moços”. Em 1921, foi eleito juiz da Corte Internacional de Justiça, como o mais votado. Em 1922, proferiu o último discurso no Senado, concedendo o estado de sítio ao governo para dominar o movimento revolucionário. A notícia do seu falecimento, em 1º de março de 1923, foi comentada no mundo inteiro. O The Times, de Londres, dedicou-lhe um espaço nunca antes concedido a qualquer estrangeiro.

Membro fundador da Academia Brasileira de Letras, Rui legou à nação inúmeros ensaios, teses, livros e pronunciamentos que com o passar do tempo tornaram-se mais e mais relevantes, pois ele soube captar de forma lúcida as questões com que ainda hoje nos defrontamos: a ética na política, a igualdade de todos perante a lei, o amor à pátria. Se existiu um paladino das liberdades civis, um hábil tecelão das palavras em defesa da justiça, este certamente foi Rui Barbosa.