Rui

100 anos depois…

 

Tribuna do Advogado

Rui Barbosa: seu tempo e sua vida (abril de 2003)

 

A virada do século XX para o século XI está especialmente marcada por duas significativas datas para a vida política e o pensamento jurídico brasileiro: 150 anos do nascimento (5 de novembro de 1849) de Rui Barbosa e 80 anos de seu falecimento (1º de março de 1923). Estas efemérides permitiram que a Casa de Rui Barbosa, centro de estudos e pesquisas sobre o seu patrono, publicasse um especial catálogo coordenado por Ana Marta Rodrigues Bastos que consolida as iniciativas nacionais de homenagens ao importante brasileiro.

Rui Barbosa não apenas se destacou na sua vida acadêmica na escola do Recife e na academia de São Paulo, onde concluiu o seu curso de Direito, em 1870, como estudante dedicado, mas também marcou o cenário político do Império nas suas lutas pela Abolição da escravatura, pelo federalismo e pela modernização educacional brasileira, com especial destaque para o ensino jurídico. Motivado pelo modelo anglo-saxônico de criação e produção do Direito, incentivou nos seus pareceres o desenvolvimento do raciocínio jurídico, da sua lógica e formulações, como pressuposto formativo do advogado.

O seu desempenho nas lutas parlamentares imperiais e as suas expectativas de remodelação do Império levaram-no a contribuir na redação da primeira Constituição Republicana Brasileira em 1891. Esta Constituição, também marcada pelo modelo federalista americano, especialmente contribuiu para a reformulação do Poder Judiciário no Brasil. Recentemente a própria Casa de Rui Barbosa publicou a sua oração de posse como Presidente do Instituto dos Advogados sobre a criação do Supremo Tribunal Federal (STF) na República brasileira. Este discurso dimensiona exatamente o papel do Supremo na construção da democracia brasileira e na garantia das prerrogativas constitucionais.

A prudência na condução de seus atos e negócios públicos, o empenho em resguardar a liberdade individual e evitar os abusos de poder, muito bem situados nas suas ações e pareceres sobre o habeas corpus e o Mandado de Segurança, assim como uma história pessoal de esforços e compromisso com os direitos civis e as liberdades públicas, legitimaram as suas campanhas para a Presidência da República. Fundamentalmente fez da sua plataforma os direitos civis e, destes, a base retórica de sua luta contra a dominação oligárquica e as estruturas econômicas e sociais retrógradas e remanescentes.

Dentre os tantos eventos que marcaram os 150 anos, devemos destacar vários concursos monográficos, muito especialmente o do Tribunal de Contas da União, em homenagem ao patrono dos tribunais de contas do Brasil, onde também se realizou um ciclo de palestras sobre o ilustre brasileiro. Academia Brasileira de Letras, de onde foi o segundo presidente em 1908, preparou um importante ciclo de palestras com a participação dos imortais acadêmicos distinguindo o seu papel como escritor, como jornalista, como político e homem público. Devem-se destacar as palestras realizadas na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo com temas sobre os seus trabalhos como filólogo, diplomata e educador, sem que nos esqueçamos também do Seminário de Direito Constitucional promovido pelo Mestrado em Direito da Universidade Estácio de Sá, na Escola de Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, fundamentalmente voltado para o estudo dos temas jurídicos de sua obra.

Rui Barbosa foi um homem de seu tempo, envolvido com as questões sobre as quais se posicionou com a veemência retórica dos advogados e com a convicção dos idealistas. O seu tempo e a sua história, as suas convicções e o seu compromisso permitiram-lhe conviver com brasileiros que contribuíram para construção do país e o enfrentamento de muitos de seus problemas. Joaquim Nabuco, Osvaldo Aranha, Machado de Assis, Lima Barreto e tantos outros foram homens do seu cotidiano, cujas ideias foram destacadas em recentes trabalhos de Bolívar Lamounier, Leonel Severo, Josaphat Marinho, José Almino de Alencar e Ana Maria Pessoa dos Santos e outros tantos do passado, como João Mangabeira, que escreveu Rui — o Estadista da República.

Finalmente, resta-nos destacar que a recente data indicativa dos 80 anos de seu falecimento é também uma data indicativa dos pressupostos do moderno Estado brasileiro: a República, a Federação, a autonomia do Poder Judiciário e o compromisso com os direitos civis e as liberdades públicas. Este foi o Rui Barbosa que fez das lutas do seu tempo, que fez dos seus ideais de liberdade, a proposta e o compromisso dos advogados brasileiros com a democracia e com a justiça social.

 

Aurélio Wander Bastos
Conselheiro da OAB/RJ